Eu tive o privilégio de nascer em uma família rica... Fui uma criança que morou em uma fazenda onde todos almejavam para passar férias... Vivi em uma casa grande com ar condicionado até na cozinha... No meu quarto tinha tv com canais da antena parabólica e uma infinidade de brinquedos, tive videogame e computador em casa antes mesmo de conhecer a Internet. Minha única preocupação era fazer o dever de casa e brincar.
E assim foi minha infância até meus 12 anos, quando saí de Pombal e fui morar em João Pessoa.
Nessa capital maravilhosa eu não era mais a "filha de Paulinho de Paulo Pereira", e a apesar de morar em um bairro nobre, não tinha luxo... Eu era apenas "mais uma".
Me encantei com a mudança radical de uma vida no meio da natureza em uma pequena cidade de interior para uma cidade praiana, com shopping, supermercado e transporte público.
Com 14 anos tive meu primeiro "emprego": Trabalhava na pista de patinação no gelo... Apesar de não precisar trabalhar, eu queria ter minha independência e viver daquilo que eu mesma pudesse conquistar, e não ser apenas mais uma herdeira da família Pereira (sim, esse também é meu sobrenome).
Trabalhei distribuindo panfletos no sinal, servindo rodízio em uma pizzaria, organizando festas em uma boate e atendendo no caixa de uma sorveteria... Não tinha tempo ruim!
Eu conclui o ensino médio com 17 anos e logo comecei a trabalhar na Caixa Econômica. Tive meu primeiro talão de cheques antes mesmo de atingir a maior idade.
Eu era a única entre meus amigos que tinha uma conta corrente no banco, eu tinha crédito, cheque especial, cartão...
Comecei a pagar conta de amigos, emprestar cheques e confiar neles... Recebi muitos calotes, inclusive golpes.
Segui adiante, continuei trabalhando, saí da casa dos meus pais, casei, fiz faculdade.
Meu pai faleceu e eu herdei um sítio, um carro e alguns lotes de terreno... Com a venda do sítio eu comprei meu apartamento.
Meu marido era dependente de todos os meus cartões de crédito, pois eu era a pessoa da casa que tinha um "emprego fixo". Depois do divórcio ele levou o carro e eu fiquei com as dívidas dos cartões que chegavam fatura após fatura.
Segui trabalhando, comprei uma moto, fiz especialização e escolhi a área de RH para me dedicar, pois sempre acreditei que o capital humano é o mais valioso de qualquer empresa ou instituição.
Vendi todos os lotes de terreno que tinha, remodelei meu apartamento, comprei um carro, dei um quarto para meu sobrinho, equipei o banheiro de uma amiga, coloquei silicone, fiz uma mega festa de aniversário, viajei para os Estados Unidos e para Europa.
Amava trabalhar e me dediquei ao máximo a minha profissão... Sempre assinei meu nome como Nogueira porque queria ser reconhecida pelo que sou, e não pelo sobrenome do meu pai. Representei o Conselho Regional de Administração da Paraíba e viajei bastante por congressos, convenções, workshop, festivais...
Trabalhei para a Prefeitura e para o Estado ao mesmo tempo (mesmo quando eram de partido rivais)... Sempre levei meu trabalho muito a sério. Cheguei a ganhar mais de 11 salários mínimos por mês...
Fui o "cartão de crédito" de muitos amigos, inclusive era chamada de "Banco Alê", pois sempre estava ali, com crédito disponível para suas dívidas, compras, lazer, farras...
Parei de trabalhar, garanti uma boa reserva para ficar sossegada por pelo menos 3 anos e comecei a viajar fazendo voluntariado.
Dessa minha reserva, ajudei 4 amigos emprestando uma quantia em dinheiro num momento de sufoco... Foram mais de 24 mil reais transferidos por PIX... Pois não consigo ver ninguém passando sufoco enquanto eu posso ajudar... Continuei ajudando outras pessoas comprando algo aqui, passando o cartão ali, pagando uma conta... E nunca me faltou!
Quando viajei para o México eu só tinha 7 mil reais na conta para continuar pagando as despesas de condomínio, energia, internet, plano dentário, plano telefônico, previdência e claro, os custos da viagem. Estou há 7 meses com as mesmas despesas... Inexplicavelmente, toda vez que eu acho que o dinheiro vai acabar, cai um saldo na minha conta, seja de restituição de IR, de indicação da Worldpackeres, de processos trabalhistas ou do Airbnb vez ou outra com o aluguel do meu apartamento...
Mas eu nunca vivi tão a mercê do acaso como agora. Das 4 pessoas que ajudei, uma já me pagou, outra segue pagando em pontuais prestações e outras duas simplesmente "nem nem"... Se me pagassem, hoje eu teria um saldo de 6 mil na conta, e não estaria preocupada em talvez ter que voltar para o Brasil "antes".
Viajando eu me descobri. Me autoconheci. Me fortaleci. Me valorizei. Me encontrei...
Conheci pessoas que viajam por amor, outras porque não tem escolha... Alguns que nem sabem o que vão comer ou onde vai dormir... Alguns tantos que estão fugindo de um vida onde a moral e o preconceito os exclui da sociedade... Outros que fugiram do seu país por causa da violência, da pobreza e da fome... Conheci viajantes que voltaram para suas casas porque sentiram a necessidade de voltar... Conheci outros que morreram na estrada, sem se despedir, fazendo o que amava e sendo feliz...
SIM! Pude ter o privilégio de conhecer e vivenciar muitas histórias... E ainda estou vivendo.
Sinto falta da minha casa, do conforto da minha cama, do banheiro limpo com piso de azulejos, do caranguejo, do cuscuz e da tapioca. De minhas amigas me chamando pra conversar enquanto faz faxina ou simplesmente para estar juntas...
Mas estou tão encantada com tudo que estou vivendo que sinto que ainda não está na hora de voltar, AINDA... E não queria ter que deixar de viver isso simplesmente porque confiei nas pessoas, pois não quero deixar de acreditar nelas...
Ou porque o Banco Alê faliu por falta de credores. E se eu voltar, não é por necessidade, é por decepção.